O CIRCO EM VEZ DO PÃO

Autor: de José Leite

   Diz o empresário Fernando Tavares Pereira, abordando a temática da FACIT, que o que se gastou a mais este ano não se despendeu no ano passado”, e, por isso mesmo, pôde gastar-se o que se tinha e o que não tinha das finanças camarárias cada vez mais depauperadas, acentuando que a “Feira deveria ter lugar sem interrupções, pois é importante para alavancar o tecido produtivo da região”, embora critique o facto de não se ter divulgado mais o sector industrial em vez dos espetáculos, que são caros e que encheram durante quatro noites o recinto.

  Não pode causar admiração esse desiderato de se privilegiar o “circo” em vez do ciclo produtivo, ao fim e ao cabo, aquele que cria riqueza, gera emprego, faz com que o concelho melhore em todos os aspetos, não apernas o lúdico, porque esse só gera estados de espírito toldados por uma alegria fugaz, alheando-se da realidade envolvente.  

  Ao longo da História, os poderes políticos entretinham a chamada plebe (ou povo) com festas e festanças. Foi assim na Roma Antiga, com o circo onde a multidão se entretinha a ver gladiadores lutarem até à morte e deleitava-se com os cristãos a serem devorados por leões. Foi assim durante o chamado Estado Novo – cheguei a participar, ainda muito jovem e porque a isso era obrigado – naquelas grandes festas da Mocidade Portuguesa que tiveram lugar no Estádio Nacional, de exaltação patriótica, onde não se olhava a meios para atingir os fins. Foi com esse objetivo que se organizou, entre 23 de Junho e 2 de dezembro de 1940, a Exposição do Mundo Português que transfigurou a zona de Belém, em Lisboa, restando alguns monumentos, como o Padrão dos Descobrimentos, símbolos simultâneos da imagem de um Portugal tradicionalista e que se pretendia modernizar e que o Estado Novo  transmitia aos portugueses e ao mundo. E essas festanças, onde se gastavam milhares de escudos, para gáudio geral da população, ocorriam numa altura em que havia fome, as barracas cresciam nos arredores da capital, a exploração do trabalho era uma evidência, morriam dezenas de portugueses com tuberculose, a miséria grassava nas aldeias, as estradas eram miseráveis, só muitos anos mais tarde se iniciaria a construção da autoestrada ligando Lisboa ao Porto (lembro-me que vir da capital a Tábua era um dia inteiro de viagem atravessando a famosa Estrada da Beira, que ainda hoje se mantém como alternativa perigosa e à espera da costumada reformulação).

 Volvidas várias gerações, conseguida a democracia que todos almejávamos, afinal, os objetivos de quem governa são os mesmos, Entreter o povo com celebridades do mundo artístico pagas a peso de outo – só o Nininho “abarbatou” 18 mil euros por duas horas de atuação – que arrastam multidões, que fazem o povão beber e dançar, esquecendo as duras realidades do dia-a-dia. E são muitas as que nos envolvem aqui em Tábua, mas dessas o Dr. Ricardo Cruz prefere não falar. Apenas utiliza a habitual retórica que o seu mandato tem uma componente muito forte e séria na vertente empresarial, mas também naquilo que é a diversão e animação. Ora, o que temos vindo a assistir é que estas últimas duas componentes é que estão a marcar esse seu mandato. Não há semana em que não haja uma festa para entreter o pagode, seja na  Ronqueira, na inauguração do Trilho dos Gaios, na vinda Tábua de dois mil motociclistas, foi o que aconteceu com esta FACIT, onde os números, se não houver as habituais derrapagens financeiras (e subsistir a verdade que o Dr. Cruz diz pugnar) atingiram os 150 mil euros. E, entretanto, as aldeias continuam à espera. Ainda esta semana, na Assembleia Municipal ouvi munícipes denunciarem que na Pereira não há saneamento nem bocas-de-incêndio, que em Alvoeira não há abastecimento público de água e as pessoas são obrigadas a consumir a que vem dos poços e que surge com aspeto ferrugento. Um território e duas realidades bem diferentes. Venham as festas!

Faça o primeiro comentário a "O CIRCO EM VEZ DO PÃO"

Comentar

O seu endereço de email não será publicado.


*