RETALHOS DA VIDA RURAL ÀS PORTAS DA VILA
Há quarenta anos pastor, José Fernandes cuida com grande zelo do seu rebanho de duzentas cabeças às portas da vila. Queixa-se que a atividade já conheceu melhores dias devido aos preços do litro de leite praticados e de uma vida dura, desmotivadora para os jovens
Nestes tempos em que muito se fala no sector queijeiro e tudo o que gravita em redor de uma atividade tradicional nesta região, encontrámos José Fernandes a “comandar” o seu rebanho de cerca de duzentas ovelhas ali no Fundo de Vila, Quintela. O local, para nós leigos na matéria, até pode não ter ser o mais indicado para a boa saúde dos animais que ali se entretêm a cortar os restos de vegetação de um pasto que já conheceu melhores dias num terreno camarário, onde se implanta o depósito de despejo das fossas séticas das aldeias.
Há quarenta anos pastor, José Fernandes queixa-se que o negócio não está fácil devido ao aumento do preço das farinhas. Vende o leite para a “Estrela Artesanal”, de Lagares da Beira, “é um dos queijos melhores que há por aí”, assegura.
Diz que mais um ano e entrega o negócio, pois “a continuar assim, não compensa”, embora ache que a “Tábua de Queijos e Sabores da Beira” foi uma iniciativa positiva, pelo menos para mostrar as potencialidades da região, o esforço dos pastores que trabalham quase vinte e quatro horas por dia para ter alguma rentabilidade. ”Não há sábados, nem domingos, nem folgas. É levantar às cinco da manhã, ordenhar os animais, efetuar as lavagens, fazer a cama às ovelhas, levá-las depois para o pasto”, diz, lamentando o desinteresse da gente nova por esta atividade.
Falando nos apoios estatais, José Fernandes diz que se situam nos quinze euros por cada animal, atribuídos anualmente. Defende que o preço do leite pago ao produtor devia subir, “estava nos 1,20 euros, subiu agora em fevereiro para 1, 30 euros, mas, mesmo assim, face às despesas, não compensa”, defendendo que a designação DOP (Denominação de Origem Protegida), que não foi ainda atribuída a Tábua – talvez só após a entrada em funcionamento da tão aguardada Queijaria Comunitária – poderá compensar.
“ Com a DOP o pagamento aumenta para os 20 euros/litro de leite, é bom, credibiliza o sector”, sublinha este pastor que diz ter boas recordações do tempo em que a moeda era o escudo, em que a atividade era rentável, “com os euros foi tudo por água abaixo, pois estamos sob a tutela da UE e das normas que nos impõem, descaracterizando algumas das nossas tradições”.
Predadores também os há por estas bandas, especialmente raposas, que se mostram cada vez mais afoitas e não têm problemas em rondar os povoados ou os locais onde se encontram as ovelhas, ” Quando estão a ‘afilhar’, se não estivermos próximos, quando acaba de ter o borrego, ou se há alguma que fica mais de parte, sem se conseguir levantar, quando lá chegamos já os borregos estão mortos A raposa é um animal difícil de controlar”, sublinha.
E lá segue o rebanho para a pastagem em frente, depois de atravessar a estrada e passar pela estreita ponte, orientando-se pelos sons que José e o seu empregado emitem de vez em quando. Param os carros à sua passagem, umas atrás das outras, copiando gestos e posturas, dando vida à monotonia da paisagem. Acontece aqui a poucos metros da sede da vila, este retalho da vida rural tabuense.
Texto e fotos: José Leite
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