NA QUINTA DO ESPORÃO PRODUZ-SE DAS MELHORES CABEÇAS DE GADO DO MERCADO COM INTERESSADOS VINDOS ATÉ DAS ARÁBIAS DEVIDO À QUALIDADE DA CARNE. BRUNO PORTUGAL, O PRODUTOR, LANÇA O AVISO:
À memória do repórter vem aquela cena da tragédia dos incêndios de 2017, quando nos deslocamos à Quinta do Esporão, Midões, e num barracão enegrecido pelas chamas, deparamos com os restos calcinados de veículos e alfaias agrícolas. Sete anos decorridos, a quinta renasceu. Deu lugar a uma exploração pecuária – a do Esporão e a da Quinta do Góis, nesta estão os animais considerados puros, os Angus, os “cruzados” estão na outra – com uma área total de cerca de 60 hectares, onde se criam e reproduzem raças consideradas de excelência. São cerca de 50 cabeças de gado repartidas entre as raças Angus e Limousine, com um macho reprodutor a poder custar cerca de 5 mil euros, as fêmeas reduzem para metade, e há muita procura, especialmente por parte de criadores vindos do norte do país, e até… dos países árabes, onde esta carne é consumida pelos “sheiks” que não olham a meios, nem aos petrodólares, para terem à sua mesa um produto de excelente qualidade.
Bruno Portugal e a Maria Tavares são os grandes obreiros deste milagre do renascimento das cinzas da Quinta do Esporão. Com eles percorremos a exploração, interagimos com os animais que se mostraram dóceis – apesar de haver muitas vacas prenhas que podem não gostar dessa aproximação – e falamos sobre o estado da agricultura em geral, em que é preciso mostrar muita resiliência se se quiser sobreviver, como constatamos.
“Estamos a cruzar ambas as raças Limousine e Angus para melhorar a qualidade da carne. Cria-se mais gordura e a carne fica diferente, muito mais saborosa”, diz-nos Bruno, que nos diz que o mercado está bom, ”temos os animais praticamente todos vendidos”. Tudo controlado através de uma base de dados onde os animais estão registados, tendo cada um deles o respetivo brinco na orelha, havendo regras para o chamado encabeçamento, ou seja, o número de animais que podem pastar por hectare.
Bruno frisa que há muitos apoios à produção, o que “existe é uma falta de informação e uma má gestão dos fundos comunitários, com uma ministra que é uma incompetente e que quer acabar com o que resta da agricultura”.
“Acabou com as secretarias de Estado, quer passar as DRAP `s para as CCDR. Não acho mal que perceba só de política, mas, ao menos, poderia recorrer a pessoas competentes da área que lhe ensinassem os melhores caminhos a trilhar”, acrescenta.
Explica que através dos quadros comunitários e do PRR vem muito dinheiro para o sector, “o que não sabemos é como vai ser gerido”. Recorreram a esses fundos, os últimos respeitantes aos incêndios de 2017, para reposição do potencial produtivo: “Fomos os primeiros a apresentar a candidatura na DRAP de Coimbra e, provavelmente, os últimos a receber. O nosso investimento para reconstruirmos o que perdemos ultrapassava os 200 mil euros, recebemos 170 mil e muita coisa não foi contemplada”, sublinha, revelando que a aquisição dos animais, cerca de 100 mil euros, “saiu do nosso bolso”.
“Há muita burocracia, tivemos vários cortes. Agora apresentamos um outro projeto para reposição das pastagens permanentes e para fazer uma charca e ainda estamos quase há um ano à espera”, acrescenta.
Instalar mais uma charca torna-se fundamental especialmente quando vivemos anos de seca. Pode custar 40, 50 mil euros e o investimento só se concretiza se houver esse financiamento. “Se existem essas candidaturas, as mesmas deveriam ser mais rápidas, não é chegar ao verão e continuarmos sem ter esse projeto”, afirma Bruno. Normalmente, a exploração conta com pastagens suficientes para o gado e recorrem pouco à aquisição de rações, que subiram exponencialmente devido aos efeitos da guerra. ”As sementes duplicaram o preço, o milho chegou a custar os 500 euros a tonelada. Os apoios são residuais, como é no caso do gasóleo agrícola”.
Sobre o setor da pecuária, dado o défice na produção, Portugal precisa de importar carne de bovino para satisfazer a procura interna. O nosso país é o principal destino das exportações espanholas de carne de bovino, país que tem já uma quota de 66 % em volume, indicou em recente comunicado o diretor da Organização Interprofissional Agroalimentar da Carne de Bovino. ”Mas o que chega de Espanha não tem esta qualidade, é uma espécie de refugo”, sustenta Bruno Portugal, assumindo quase como um paradoxo o não investimento em maior escala das raças que vemos em Midões. “A próxima guerra vai ser por causa dos alimentos, pois há cade vez menos produtores a produzir e mais gente a consumir. Os países têm de se tornar mais autossuficientes”.
“Temos ao lado a Espanha a crescer e os nossos governantes não têm a noção do que é a agricultura, temos falta de informação dos agricultores, um PDM que não ajuda as explorações; muitos deles, perdem muitas ajudas por desconhecimento das regras”, diz Bruno, revelando que, no concelho de Tábua, não há nenhum gabinete onde se possam fazer esses projetos, “temos de sair para outro concelho para procurar engenheiros e gabinetes que nos façam essas candidaturas”. Adianta que na região há muitas explorações sem Licença de Exploração para a Pecuária, apontando que deve haver cerca de 1500 exploração sem essa licença. ”E por estarem em incumprimento, não vão receber este ano qualquer subsídio”, afirma, apontando o caso dos produtores de queijo, um sector que corre riscos de colapsar “ pois muitos desses produtores, sem acesso aos subsídios, vão fechar as suas empresas”.
E por falar no queijo: o que pensa Bruno Portugal sobre a Feira que vai ter lugar em Tábua em que esse produto vai estar em destaque? Responde: “Nós nunca fomos convidados, apesar de sermos provavelmente os únicos do distrito que produzimos esta raça. E depois é caricato a Câmara ter feito a apresentação desse certame em Viseu. Podia tê-lo feito numa exploração no concelho. A maioria dos produtores de queijo que vão estar presentes nessa feira são de fora do concelho, não tendo qualquer retorno nos produtores da região. Em Tábua não há produtores certificados para produzir queijo Serra da Estrela, o que não impede o Presidente da Camara querer instalar uma queijaria comunitária na Vila do Mato, onde vai gastar perto de meio milhão de euros. A grande preocupação deveria ser ajudar os produtores na formação, arranjar os caminhos para as explorações, não é criar esse megaprojeto, provavelmente, para arranjar mais uns empregos para os seus “boys”.
Texto: José Leite
Fotos: Nuno Pereira
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