JAIME RAMOS, RESPONSÁVEL DO HOSPITAL COMPAIXÃO, EM MIRANDA DO CORVO, UMA UNIDADE EQUIPADA COM MODERNOS EQUIPAMENTOS ,COM 55 CAMAS PARA DOENTES COVID E COM CAPACIDADE PARA INSTALAR MAIS
“É PURO SECTARISMO QUE O GOVERNO NÃO PERMITA A ABERTURA DESTA UNIDADE DE REFERÊNCIA”
Por estes dias visitei o Hospital Compaixão em Miranda do Corvo. Estava curioso em perceber como estava equipado e se o mesmo tinha condições para ser usado por utentes. Pois fiquei perplexo. A instituição que é privada, como as tuteladas pela Cruz Vermelha, Santa Casa da Misericórdia, Cuf, Luz, e tantas outras a que recorremos para nos tratar através do SNS, oferece gratuitamente os seus serviços ao Ministério da Saúde durante este tempo de pandemia e, assim, poder aliviar a ocupação dos grandes hospitais nacionais.
E se dúvidas havia, tirei-as. Aliás, ainda fiquei mais perplexo ao tomar conhecimento que idosos e doentes estão a morrer em ambulâncias e tendas por não conseguirem ter acesso a um hospital, havendo esta unidade hospital excelentemente apetrechada com capacidade, sem grandes problemas, de colocar mais de 200 camas para tratar doentes Covid, distando apenas a cerca de 20 minutos de Coimbra.
Em vez de mandarem utentes com os riscos acrescidos, por avião para o Funchal, para a Áustria ou para hospitais a mais de 200 quilómetros, com toda a logística necessária, o Estado e o Ministério da Saúde preferem fazer acordos para ajudar 20 ou 30 utentes em vez de usarem logo um hospital com estas dimensões e com a mais-valia que tem. É de facto lamentável deixar morrer portugueses por não terem acesso aos serviços de saúde (muitos morrendo em casa), havendo um hospital que poderia ser usado nesta fase por mais de 2 ou 3 mil utentes. Temos de perceber que os utentes precisam de, em média, 3 semanas de internamento para recuperar. Se contarmos 3 meses, poderiam ser salvas muitas vidas. Mas voltando aos paradoxos dos decisores políticos: vemos que os militares alemães foram enviados para Lisboa, para um Hotel/Hospital da Luz, que utentes vão ser transportados por avião para a Áustria, que estão centenas de doentes Covid em tendas de campanha junto a vários hospitais do nosso país. O problema do hospital Compaixão é ser privado, não ter pessoal médico, estar no interior a 30 km de Coimbra, a 70 km de Leiria, a 140 km do Porto, a 170 km da Guarda, a 200 km de Lisboa, enfim ao dispor dos portugueses e, especialmente, das zonas mais desfavorecidas. Esta é a realidade, numa altura em que todos os equipamentos, todos os recursos humanos são mais precisos para salvar as vidas de tantos portugueses.
Construído pela Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional de Miranda do Corvo, esta unidade está concluída há cerca de dois anos. Foram ali investidos 10 milhões de euros, dispõe de tecnologia de ponta de última geração em termos de tratamento e assistência médica, com bloco operatório, com 55 camas disponíveis. É neste momento uma unidade hospital “fantasma”.
Falei com o presidente da Fundação, Jaime Ramos que, em declarações ao nosso jornal, sublinha que a unidade de cuidados de saúde está pronta a funcionar, mas continua encerrada por falta de acordo com o ministério da Saúde.
”Estamos no Pinhal Interior que é uma das zonas mais pobres do país. Fizemos este hospital incluindo-o numa instituição sem fins lucrativos. Podíamos tê-lo construído numa cidade de média dimensão, mas construímo-lo nesta região, pois sabemos que nas últimas décadas o Estado tem abandonado as pessoas destas regiões, tem fechado serviços. Achamos que era útil fazer este investimento, para criar emprego, mas também, em termos de prestar saúde, proporcionando uma maior proximidade às pessoas. O governo não aceitou isso, tem havido um fanatismo contra a abertura deste hospital. Não queremos ser privilegiados mas, sim, ter igualdade com outro tipo de estruturas semelhantes do país.”, referiu Jaime Ramos, acentuando que “há outros hospitais concelhios, por exemplo, na Mealhada ou em Oliveira do Hospital, que têm acordos com o governo, respondendo às necessidades do SNS e as pessoas são lá tratadas como se fosse um hospital público. Os doentes continuam a ter de percorrer dezenas quilómetros para terem acesso a cuidados hospitalares, em Coimbra, por exemplo para fazerem um raio X, podendo fazê-lo aqui nesta unidade que está completamente equipada com esses aparelhos”.
Explica ainda o que é e como serve a comunidade a Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional, nascida há 33 anos, prestando assistência a cerca de 1500 pessoas em várias valências, tendo ao seu serviço um conjunto de oitocentos colaboradores. “Somos hoje um dos maiores empregadores do distrito de Coimbra”, frisa, acrescentando que procuram responder às necessidades de diferentes classes sociais.
Jaime Ramos refere que o Hospital da Compaixão tinha todas as condições para receber os militares alemães que foram destacados para Lisboa, de forma a atenuar a pressão que os hospitais de Coimbra estão a receber. “Aqui os quartos são climatizados, têm televisão, cadeirões, não têm nada a ver com os hospitais de campanha que foram montados e é um claro desperdício que estas instalações estejam subaproveitadas”, revelando que esta unidade foi oferecida gratuitamente ao Estado português. “Fizemos isso logo em 2019 quando a China começou a construir hospitais no início da pandemia, voltamos a oferecê-lo quando vimos aquelas imagens em Itália de sobrelotação dos hospitais, insistimos nessa oferta por diversas ocasiões e nunca aceitaram falar connosco. Chegamos a emprestar dois ventiladores completamente grátis quando surgiram problemas muito graves no IPO de Coimbra. É um escândalo o que se passa, pois reunimos todas as condições para tratar de uma forma humana as pessoas. Sublinhe-se que esta Fundação, embora não tendo o mesmo estatuto das misericórdias, presta o mesmo tipo e cuidados à comunidade, desde apoio domiciliário, creches, alberga crianças, muitas vindas das CPJM, deficientes mentais (somos talvez a instituição que mais faz a inclusão social neste campo), grávidas, idosos. Temos respostas para todas essas pessoas, não apenas para residentes nos concelhos em redor de Miranda do Corvo. O Estado não nos dá subsídios, paga-nos os serviços que prestamos, por pessoa e mediante o trabalho que fazemos. Isso representa 40 por cento das nossas receitas, embora tenhamos outras atividades para podermos ser sustentáveis, sendo talvez a mais eclética instituição de solidariedade social do país”.
E uma última nota que nos deixa Jaime Ramos: “Em todos os concelhos desta região não há uma única cama de cuidados de convalescença. Todas as pessoas que tenham essa necessidade têm de recorrer a uma grande cidade, provavelmente a Coimbra no nosso caso. É inadmissível que o Estado tenha aqui uma unidade desse tipo no Pinhal Interior com todas as condições, optando por negociar com empresas privadas, muitas ligadas à banca e com interesses multinacionais, recusando colaborar com esta instituição nacional sem fins lucrativos. É evidente que não podemos marginalizar o investimento estrangeiro, mas quando têm lucro, exportam-nos para os seus países. Nós, quando temos rendimentos, voltámos a reinvestir de forma a criar riqueza para os portugueses que cá estão”.
TEXTO E FOTOS: NUNO PEREIRA
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