ANTÓNIO SALA, UM DOS MAIORES COMUNICADORES DA RÁDIO E TV, COM RAÍZES EM TÁBUA, SEM RODEIOS: “INFELIZMENTE A INTERIORIDADE NO NOSSO PAÍS AINDA SE PAGA CARA”

 “O PODER LOCAL TEM DE SER MAIS PERSUASIVO, MORDER PERMANENTEMENTE OS CALCANHARES DO PODER CENTRAL E TER CONQUISTAS, OU ACHAR QUE NUNCA SE CONSEGUE E ADORMECER NA ROTINA DO QUE APENAS JÁ EXISTE”

Um dos maiores comunicadores da Rádio e da TV, com raízes neste concelho, que diz estar no seu coração, fala-nos sobre a sua carreira de mais de cinco décadas, aborda a temática do interior ostracizado e o papel dos decisores políticos locais em mudar essa rotina que existe, revelando que vai apresentar a partir de janeiro um projeto inovador, o Canal Cultura. Uma característica dominante nesta entrevista: a simpatia e cordialidade do entrevistado, a frontalidade que demonstra como profissional do sector, ao sublinhar que os grandes meios comunicacionais vivem atualmente dias fratricidas numa luta concorrencial que continua a não augurar nada de bom.

Entrevista: José Leite

Que memórias guarda desta região? Há grandes diferenças ao longo dos tempos? Quer especificá-las? Tábua está-lhe no coração?

   De toda essa lindíssima região guardo recordações maravilhosas. Desde as suas belezas naturais, até às suas gentes. Momentos significativos da minha vida.

Claro que ao longo dos anos muita coisa tem mudado e creio que maioritariamente para melhor. Desde as vias de acesso, às comunicações. Desde a preservação histórica, até à actualização arquitectónica. A apresentação gastronómica e as bases sociais de apoio. Tábua está mesmo no meu coração.

 Vivemos uma época pré natalícia. Este período traz-lhe boas recordações das festividades natalícias e do Ano Novo que viveu nas Beiras? Há cheiros e sabores que guarda quase religiosamente?

 Vivi por aí Natais e Passagens de Ano, absolutamente inesquecíveis. Guardo desses momentos cheiros únicos, como da lareira às delícias gastronómicas, mas sobretudo às pessoas. E muitas delas já partiram, mas nestes momentos natalícios ainda são recordados com mais saudade e amor.

 Geralmente em períodos eleitorais vem sempre à baila a questão do interior desprotegido, ignorado pelo Terreiro do Paço, um facto que se tornou mais evidente após os grandes incêndios de 2017 ou com o atraso no acabamento do IC 6 que há muitos anos está pensado para ligar Coimbra à Covilhã? Concorda com essa ideia? Ou acha que é uma questão ultrapassada, ou seja, “fogo eleitoral” e os governantes devem ter outras prioridades?

  Infelizmente a interioridade no nosso país ainda se paga cara. Os diferentes poderes centrais só focam e trazem a palco estas regiões em períodos eleitorais. Aí o poder local tem de ser sempre mais persuasivo. Bater-se pelos seus direitos e pelos direitos das populações que o elegeram. É um trabalho por certo desgastante e difícil, mas aí é que se vê quem consegue mover montanhas e alcançar as metas propostas e prometidas. “Morder permanentemente os calcanhares do poder central” e ter conquistas, ou achar “que nunca se consegue” e adormecer na rotina do que apenas já existe. Nisto reside a diferença entre lutar e conseguir várias vitórias, ou ficar mansamente inerte na gestão corrente do dia-a-dia.

  Como está a viver este período de pandemia com o gradual aumento de casos de infetados? O que mudou na sua vida ao longo destes últimos dois anos?

   Estou a viver com todos os cuidados e precauções, mas tentando que os meus dias sejam sem pânicos. E tento ganhar alento e esperança, esperando que o meio científico encontre as melhores soluções, e que o poder político não as comprometa e faça o que tem que fazer.

  Partilhou a ideia que é nos momentos de luta e sofrimento que nos apercebemos das nossas limitações e fragilidades, que nós conseguimos tornarmo-nos mais fortes, mais humanos e melhores, belas e expressivas palavras que escreveu quando viveu um período difícil da sua vida devido a uma grave doença e quando o seu filho foi submetido a uma melindrosa operação ao coração. Pensa que é um pensamento católico  que se adapta aos dias de hoje, em que os valores humanos e o sermos solidários andam arredios?

   Não é apenas um pensamento católico, é um pensamento humanista inspirador, que nos faça ter esperança e simultaneamente entender as nossas forças, mas também as nossas inúmeras limitações.

  Aos 72 anos de idade já nada o surpreende? Ou há ainda algo que o sensibiliza, que o motive?

  Ainda me surpreendo com inúmeras coisas, é isso é muito bom. Ainda me motivo por causas, pessoas e projectos. E cada vez mais coisas me sensibilizam.

 Sendo uma das grandes comunicadores ao longo de várias décadas, como vê o momento deste meio de comunicação nos dias de hoje? Há gente nova e com valor a revelar-se? Ou os canais deTV e Rádios envolveram-se numa espécie de luta fratricida devido a uma galopante concorrência em que a qualidade poderá andar um pouco arredia?

   A rádio e a televisão são duas das minhas grandes paixões. Infelizmente acho que se vivem dias fratricidas numa luta concorrencial que continua a não augurar nada de bom. E os resultados estão à vista, num acentuado decréscimo de qualidade do que se faz e do que se apresenta.

  Sempre gostei de fazer TV e tive o privilégio de passar por excelentes programas. Mas, se a televisão popularizou a minha cara, a Rádio sempre mostrou a minha alma. Mas creio que elas também se completam. Gostei muito de quase tudo o que fiz em TV e gostei imenso do que fiz em Rádio.

  Creio que os diferentes meios se completam. Se calhar ouvimos uma notícia pela primeira vez no rádio a caminho de casa. Quando lá chegamos, vemos ao jantar as suas imagens na televisão, e depois já deitados pormenorizamos tudo na internet. No dia seguinte ficamos mais elucidados sobre essa mesma notícia nas páginas de um jornal. É um ciclo informativo e formativo que se completa. Acho mesmo que os diferentes meios acabam por se complementar.     

  Mais do que se combaterem entre si. Nisto as coisas deram um salto em frente muito positivo. Há também gente nova muito talentosa e de grande qualidade. Continuo a ser um otimista no que toca ao futuro dos meios de comunicação. Têm é de ser referências sérias e credíveis para afastar o lixo que circula nas redes sociais, assente em notícias falsas, boatos, meias-verdades e desinformação. Essa vai ser a grande luta do futuro entre o bem e o mal no mundo da comunicação.

 A propósito, pode-nos falar do novo projeto que vai abraçar, o Canal de Cultura e que estará disponível em todos os dispositivos digitais a partir de janeiro?

   É um projecto inovador. Por assinatura e tal como uma Netflix ou HBO, basta ter a sua aplicação no telemóvel, tablet ou na sua televisão e visualizar e escolher no Canal Cultura os programas que ali estão em oferta permanente. Desde programas variados de diferentes áreas da cultura em português, às melhores séries culturais de todo o mundo em forma de concerto, entrevista, documentário ou programas de autor. Toda a cultura histórica, social e artística num canal sem igual. Pioneiro absoluto que parte de Portugal para o mundo. Estou muito entusiasmado. Irei ter dois programas semanais diferentes, um sobre a História de Portugal com duas belíssimas historiadoras e escritoras. Serão 12 programas.

   O outro, terá igualmente 12 edições e será um programa sobre a História e estórias da música de Portugal. Com inúmeros convidados e muitos aliciantes que serão por certo bem apreciados.

  Sendo um profissional com uma carreira brilhante, que granjeou as simpatias de um vasto público, estando seguramente na memória deste, não acha que poderia ter ainda lugar relevante num programa de TV ou Rádio, nem que fosse para inculcar um pouco da sua experiência aos mais novos?

A resposta a isso está dada de certa forma na pergunta anterior e no que ali digo. Essa será uma das formas de também passar às novas gerações de comunicadores, um testemunho profissional e ensinamentos que me ficaram de uma carreira de cinco décadas.

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