E DEPOIS DAS ELEIÇÕES. Autor: André Graça

Terminou a batalha pela alma dos tabuenses numa noite eleitoral em que nem vencedores nem vencidos sabem explicar ao certo os resultados. Em teoria: a coligação Coragem para Mudar aproximou-se substancialmente do PS, tornando estas eleições autárquicas numa das mais disputadas dos últimos tempos. Na prática: o PS venceu em praticamente toda a linha. Numa campanha que não foi isenta de polémicas, o seu rescaldo também dificilmente o seria. Contudo, creio que agora é tempo de apaziguamento. O PS irá preparar-se para dar continuidade ao seu longuíssimo consulado e a oposição irá organizar-se para cumprir o seu papel e honrar os mandatos que os tabuenses lhe confiaram – possivelmente de um modo como nunca antes o fez. Pese embora a maioria do PS, quero acreditar que democracia é um edifício em construção e a necessitar de permanente manutenção através do cultivo do diálogo e não da imposição do monólogo.

   Sou do tempo dos famosos CDs (compact disc), mas ainda guardo alguns discos de vinil dos meus pais. Uma das diferenças relativamente aos CDs, é que os discos de vinil são compostos por um lado A e um lado B (como as cassetes), o que significa que, quando virado o disco, continua a tocar a mesma banda. Eventualmente, poderia haver alguma diferença estilística, mas, em traços gerais, continuaríamos a escutar algo parecido. Esta metáfora parece ilustrar o que aconteceu: em vez de optarem por ouvir algo diferente, os tabuenses preferiram um novo lado da cassete socialista. O que o futuro nos reserva, podemos antever tendo em consideração o passado, mas não estamos em posição de, de facto, sabê-lo com certeza absoluta. Serão quatro anos aborrecidamente previsíveis, ou assistiremos a uma reinvenção da fórmula já batida?

Quero com isto dizer que ainda hesito em afirmar que Tábua iniciou um novo ciclo, muito embora o tenho feito. De facto, o futuro a Tábua pertence, do mesmo modo que pertence a Vagos, a San António de los Baños ou a Karlovy Vary. A questão não é a passagem do tempo (que sabemos que acontece, inexoravelmente) mas, sim, a utilidade que se lhe dá. Cada momento, cada fase da história, tem o seu “ar”, o seu “espírito”. A maioria das janelas de oportunidade de hoje são, certamente, diferentes das dos anos 80 do século passado. Do mesmo modo, as necessidades prementes de hoje são distintas das dos anos 90. Ou assim deveria ser. Diante de todos nós estão quatro anos em que muito estará em jogo. Podem ser quatro anos que poderão acentuar (ainda mais) o atraso de Tábua relativamente à região em que se insere, ou quatro anos de um salto que, embora improvável e dado em circunstância contracorrente (nem que seja pela interioridade do nosso Concelho), pode ser realizado.

   A sessão solene de tomada de posse decorreu conforme esperado e com os rituais do costume. Entre discursos mais ou menos eloquentes e simbologias (que tão importantes são nestes momentos que marcam o tempo), para mim, o mais impactante não foram as palavras proferidas, mas, sim, o silêncio imperscrutável de uma sinistra figura sentada na segunda fila: Isaltino Morais. Numa época em que são evidentes os prejuízos públicos e sociais que nos causaram Rendeiros, Sócrates, Salgados e outros que tais (bem como o desplante com que o fizeram), ver um dos mais famigerados “donos disto tudo” da velha guarda, que personifica em grande parte aquilo que a sociedade deveria repudiar e consignar ao passado, não é só de mau gosto, como é, simbolicamente, de muito mau prenúncio. Quando chegará a altura em que efetivamente estas figuras não terão mais lugar em comissões de honra seja de que espécie? Nada há de dignificante nem edificante na vinda de Isaltino a Tábua (que, espero, tenha sido feita às suas próprias custas).

   Enfim: há muito por fazer. Há contas a saldar com um passado que ficou suspenso e por cumprir e não apenas projetos e conjeturas para o futuro. Nesse aspeto, a campanha serviu um duplo propósito: evidenciou rasgos de invenção acerca do que pode ser feito (imaginar um futuro melhor), como aquilo que já devia ter sido levado a cabo (nomeadamente, apontar as marcas esquecidas de um tempo que passou e que necessitam de ser abordadas e corrigidas). Entre vários aspetos materiais e concretos, há um ponto que precisa de ser valorizado e que gostaria de ver realizado: que Tábua chegue, finalmente, ao encontro que tem marcado há décadas com a democracia – acima de tudo, com os valores que lhe são consensualmente reconhecidos – a transparência e a política moderna de responsabilização. Este não é um projeto de cimento, aço e vidro, mas sim de respeito, cedência e mentalidade (que, como todos sabemos, pode ser mais difícil de mover do que o betão).    

  Por ora, todos somos Tábua uma vez mais e, reitero, é na complementaridade que se encontra a força.

André Rui Graça: Deputado Municipal pelo PSD, Professor Auxiliar Convidado – Universidade da Beira Interior, Investigador Integrado – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX/Universidade de Coimbra

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