
A tarde de 10 de abril do ano de 2025, nunca a irei esquecer. Nos dias antecedentes andei nervoso, ansioso e pensativo por um único motivo: a Câmara de Tábua tinha decidido, em reunião expressa para o efeito, ser eu merecedor de receber uma Medalha de Mérito Cultural do Concelho, a ser entregue no dia do Feriado Municipal, 10 de abril como já antecipadamente referi. O seu Presidente, Ricardo Cruz, ligou-me a dar conta da decisão tomada semanas antes, afirmando que o executivo por unanimidade, entendia que eu reunia as condições necessárias e suficientes para tal distinção. Afirmei-lhe na altura que era uma grande honra receber esse galardão e solicitei-lhe que fizesse entrega ao executivo que presidia, dos meus maiores agradecimentos pela lembrança do meu nome para tão generosa distinção.
Apanhado de surpresa por tal desiderato, fiz contas à vida. Tentando dar uma justificação plena de racionalidade para o que tinha acabado de ouvir. Será que era justo? Merecido? Que teria feito eu que pudesse ser relevante perante a comunidade como razoavelmente meritório?
De uma coisa eu tinha a certeza: Tábua sempre representou para mim algo de importante, genuinamente intimista, motivo de contemplação profunda, fruto de uma raiz que se estende no tempo que nunca se quebrou porque umbilicalmente ligada, geradora de sentimentos profundos e gratificantes que viveram sempre dentro de mim até ao presente.
Sim! É esta a terra que vejo à minha frente na intensidade do meu olhar sobre os campos de milho, oliveiras, vinhas e pinheiros que me delicia. É esta a terra que me fascina na intensidade dos seus rios que são sua fronteira natural. É esta a terra com os seus admiráveis montes, vales e caminhos íngremes e sinuosos que me alimentam os sonhos. É esta a terra que me faz escrever, tocar e cantar. É esta a terra que me mostra lá além, todos os dias, o nascer da manhã, o Sol radioso na Primavera e no Verão, depois de se elevar no ar, acima da Estrela. É esta a terra onde a minha Barrosa, que é a minha casa, me mostra nas tardes dolentes de Outono, as belíssimas folhas multicores das árvores prestes a caírem no chão. É esta a terra onde nasceram os meus antepassados. É esta a terra onde nasceram ou conviveram comigo nas auto- denominadas “férias grandes” amigos para a vida inteira. É esta a terra que dá luz e alimento espiritual à minha alma beirã, que me acolheu no passado e ainda hoje me acolhe com a maior das bondades sempre que dela preciso. É esta a terra onde medito e trabalho na procura de novas composições, de novas ideias, de novos cantos que, graças a Deus, ainda não me cansei de procurar.
Dito isto, num jeito muito introspetivo… é nesta terra que me sinto mais feliz! Ponto!
Na singularidade de ela estar integrada, pertencer naturalmente e por direito próprio, a um todo forte e profundo que se chama Beira Alta. Esta Beira Alta, terra do granito, do xisto, do frio intenso, dos serões inesquecíveis em noites quentes de luar, das luzes provenientes das suas aldeias serranas que nos fazem crer que de presépios se tratam; dos quilómetros sem fim percorridos pelas estradas secundárias, onde se aprende tanta coisa dos costumes, da vida árdua, dura das populações que aqui viveram e vivem, ao subir e descer na descoberta do dito Portugal profundo que me deixa deslumbrado na visão surpreendente da contemplação do horizonte. Onde as nascentes dos rios, as quedas de água, as praias fluviais, os castelos, as casas senhoriais, a restauração e a gastronomia estão cada vez mais atuantes. A somar às potencialidades cada vez mais patentes das suas vilas e cidades, que não me canso de visitar vezes sem conta. Apesar da sua tão proclamada e reconhecida interiorização ser responsável por lhe tolher o futuro na falta de investimentos indispensáveis para ali fixar de uma maneira justa muita gente que a abandona, só pelo simples e lamentável facto de haver uma carência de emprego que melhore as suas condições de vida e progresso social.
Dito isto, volto à pergunta inicial: que fiz eu para tamanha honra? Com sinceridade, direi que a assunção da resposta não me pertence. É da exclusiva responsabilidade daqueles que têm a competência de avaliar, ponderar e decidir. A única coisa que poderei afirmar “em defesa própria” é que se eu fiz algo de interessante que motiva e justifica tal distinção, restar-me-á agradecer a Tábua tudo aquilo que me deu, os dias felizes que sempre aqui passei, os amigos de mão cheia que aqui conheci, a capacidade de transcrever num papel a pureza desta terra beirã, as suas energias e virtudes tão nobres, a minha convivência com gente decidida, lutadora, diligente e sonhadora com quem convivi, a visibilidade do seu património cultural e, principalmente, a ternura da gente simples, rija, vibrante, encantadora e genuinamente ligada à sua terra que sempre me rodeou e admirei.
Da cerimónia em si, desejo deixar aqui uma referência ao ponto que considero o mais importante da sessão. O momento da ida ao palco dos familiares dos bombeiros falecidos no fatídico incêndio que sentimos dolorosamente na pele no Ano de 2024. Ali foram entregues as medalhas a título póstumo. Foi um momento pungente, muito sentido por todos os presentes. Deixo aqui a todos os que sofrem a ausência diária dos seus entes queridos precocemente desaparecidos, um abraço profundo de dor e constrangimento pela desgraça que lhes aconteceu. Principalmente para a Inês. Uma filha sem pai, na flor da idade, num tempo em que o tempo era ainda tão curto e deixa, na sua ausência irremediável, o maior sabor da incompreensão e injustiça que desgraçadamente lhe estava destinado. E me deixou sem palavras e com os olhos rasos de água.
Por ela chegou a hora de saber como se comportam, agora, os Homens.
A minha medalha já tem nome, Chama se Inês. A Inês de Vila Nova de Oliveirinha.

Texto: Amadeu Diniz da Fonseca
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