TREINADOR CAMPEÃO DO FUTSAL FEMININO PÕE CONDIÇÕES PARA CONTINUAR
De uma forma frontal, Humberto Pessoa, o treinador da equipa feminina de futsal do GD Tabuense que se sagrou campeã distrital de Coimbra, impõe como condição que o clube pague a sua carteira de treinador e pede um compromisso do clube e da Câmara para se atingirem objetivos mais altos. Sustenta que, atualmente, não há estruturas para uma participação no novo escalão, pese embora a qualidade e vontade das jogadoras com as quais, refere, lida quase com um confidente, um pai.
Qual o segredo do êxito?
Acreditarmos todos uns nos outros. Havia um conjunto de boas jogadoras, mas não havia uma equipa. Quando cheguei aqui, disseram-me que não queriam que a equipa acabasse. E eu respondi que, em seis anos, iriamos ser campeões. Foi ao fim de três. No dia 12 de dezembro, ou seja, semanas antes de terminar o campeonato, fiz uma salva para entregar na Câmara, mandei fabricar as faixas e as t-shirts com os dizeres de campeãs que nos custaram algumas centenas de euros. Alguém me disse que eu iria correr o risco de ter de engolir tudo isso. Enganou-se.
Como caracteriza a época?
Tivemos momentos muito bons e outos muito maus. Fomos eliminados da Taça, perdemos mais dois jogos seguidos para o campeonato em casa. Nessa altura, disse-lhes que me ia embora, foi uma semana atípica, depois dessa última derrota pesada, durante a qua fiz ver os meus pontos de vista, identificar o que estava mal. O Presidente pediu-me para ficar pelo menos até ao fim de semana seguinte. Decidi ficar, pois sentiu que começara a haver compromisso, responsabilidade das pessoas. Deixamo-nos de nos preocupar com coisas fúteis e o objetivo passou a ser o futsal. Chegámos a esse jogo com o União 1919 em que perdemos 3/2 e não me esqueço o momento em que duas jogadoras chegaram ao pé de mim e disseram-me: “Mister, esforçámo-nos até ao limite das nossas forças mas não podíamos mais”. É claro que não podia abandonar o barco. A partir desse jogo, foram só vitórias. Até à penúltima jornada, em que podíamos logo ser campeões, mas que perdemos em casa com o Serpinense, porque não nos deixaram. E, neste aspeto, tenho de lamentar que a AF de Coimbra tenha mandado um árbitro que veio aqui pela primeira vez arbitrar, que nem sabia como trabalhava a mesa com a cronometragem. A Associação tem de ter um compromisso maior. E, depois, é muito fácil castigar jogadoras, treinadoras, e os árbitros? Tenho gravações de jogos que põem em causa a prestação de alguns deles. Chamar-lhes árbitros era ofender outros colegas que levam essa atividade mais a sério.
Culpou a arbitragem, não foi, nesse jogo?
Sim. Cheguei a ser expulso, nunca tinha acontecido comigo, mas achei incrível que essa decisão do árbitro se tenha relacionado com o facto de eu ter dito às jogadoras que estava orgulhoso com o que elas tinham feito, mas o que se tinha passado no campo fora uma vergonha. Acho que a grande diferença entre o futsal feminino e masculino reside na arbitragem, que deveria adotar uma atitude mais igualitária. Mas, o certo, é que, durante esta época jogámos, muitas vezes num campo inclinado contra nós.
Como viu o apoio entusiástico do povo de Tábua à vossa equipa?
Há muitos anos que não via uma festa como essa aqui em Tábua por causa do êxito do GD Tabuense. Mas temos de mudar algumas mentalidades…
Quer especificar?
Até aqui havia a mentalidade que o futsal feminino era para participar, se ganhássemos tanto melhor, se não ganharmos que se lixasse.
Será uma grande responsabilidade para o futuro?
Sim, claro. Agora vamos ter a Supertaça em que os vencedores da Taça e do Campeonato se vão defrontar e, em seguida, a fase de subida à II Divisão Nacional. Mas sempre disse que o primeiro objetivo era sermos campeões e conseguimos isso, com mérito. A participação na fase de subida vai ser uma experiência nova para toda a gente. Já disse às jogadoras: vamos desfrutar disso. Naturalmente, temos de ter consciência do nosso valor e o das outras equipas, as quais, têm outros orçamentos e outras estruturas. Não temos as mesmas armas. Agora, se tivermos possibilidades de ganhar, não vamos abdicar disso. Mas é uma honra sermos a única equipa a representar Coimbra.
Falemos de si: que idade tem e qual a atividade do Beto? Quais as equipas pelas quais passou?
Sou comercial, 40 anos de idade, já joguei futebol de onze no GD Tabuense, como júnior e sénior. Sou apaixonado mais pelo futsal, por ser um desporto vivo. Uma equipa que esteja a perder por dois a zero pode, de repente, pode virar o jogo. No futebol de onze isso não acontece, é mais difícil. Sobre as minhas características como treinador? Eu exijo muto de mim, mas também exijo muito às minhas jogadoras, as quais, às vezes, podem pensar que sou agressivo, mas no bom sentido.
Tem que lidar com os problemas pessoais das suas atletas? É, por vezes, um psicólogo?
Sim, muitas vezes tenho jogadoras que me contam algumas coisas que, eu sei, que às vezes muitas pessoas não conhecem. Mas, nesse papel de confidente, entra por um lado e sai logo pelo outro. Guardo esses segredos
Age como um pai?
As vezes é isso. E eu chateio-me por vezes, mas, como lhes digo, faço-o porque quero o melhor para elas, para o clube, para todos. Por exemplo, quando perdemos o penúltimo jogo em casa por 5/4, isso mexeu comigo ao ver no final as jogadoras com lágrimas nos olhos. Quer dizer, sentiram a camisola. E depois foi bonito ver duzentas pessoas nas bancadas a aplaudir. E disse-lhes: foi melhor termos perdido do que termos ganho, porque, na próxima semana, iriamos festejar com mais força, com mais entusiasmo. E foi o que aconteceu. Foi uma derrota moralizadora. Muitas vezes, a psicologia é importante, até no confronto com os adversários. Ganhei muitos jogos porque, do outro lado, eram fraquinhos em termos de cabeça. E,. em termos da minha equipa, também houve algum trabalho em convencer certas jogadoras que, de facto, tinham valor, que eram jogadoras. A frontalidade no trato sempre foi uma das minhas características, pese embora elas possam não concordar comigo. Mas todos têm de dar a sua opinião.
Foi prejudicado na sua vida pessoal devido a este seu compromisso com o clube que abraçou de uma forma quase permanente?
A minha esposa, como costumo dizer, tem sido a minha âncora. Foi a vitória de ambos. No princípio, quando assumi ser treinador de uma equipa feminina, ela não gastou. Mais tarde, era das pessoas que mais me apoiava. Não falta a um treino, quando jogamos em casa está quase sempre presente.
Vai continuar no cargo?
Acho que vai ter de haver uma responsabilidade maior da parte da Câmara e do clube. Em termos de patrocínios não nos podemos queixar, pois temos recebido muitas coisas que outros clubes não têm. Por exemplo, elas tiveram uma festa na Quinta dos Corgos que, provavelmente, muitas equipas da Primeira Divisão não têm. Vim para o GD Tabuense abdicando de dinheiro, fi-lo para que revertesse para elas, para lhes proporcionar coisas que eu acho que são importantes para a equipa. Mas na próxima época tenho de ter o curso de treinador e pedi que clube assumisse esse custo. Eu e o meu adjunto, o Francisco Pereira, que tem tido também um trabalho notável, pusemos essa condição. Se o clube não o fizer, vamos ter de optar por outros projetos. Já nos fizeram propostas. Mas gostaríamos de continuar, até porque ambos somos de Tábua e há que prosseguir um projeto que tem pernas para andar, criando condições mais favoráveis.
O que falta fazer?
Há que, por exemplo, apostar na formação, para entrarmos na II Divisão, daqui, provavelmente, a seis anos. Já temos uma jogadora que, com 15 anos, já está na seleção de Coimbra de sub-17., mas poderíamos ir buscar às escolas novos talentos. Pode ser que a subida aconteça este ano, mas não temos estruturas para isso. Não acho que seja o momento certo. As coisas têm de ser feitas com calma. No entanto, posso dizer que, este ano, tive o privilégio de ter mais gente a treinar, de sentir essa revolta saudável no balneário de haver da parte das jogadoras uma grande vontade em ganhar. Recordo a esse respeito o momento que antecedeu o jogo com o União em que ganhamos. Uma jogadora disse, e passo a citar, “já estou farto de perder com essas gajas”. Foi a frase da época, da mudança. Num outro episódio, em Soure, houve uma jogadora que se sentia azarada, pois fartou-se de rematar à baliza mas a bola teimava em não entrar. Houve um penalti no fim, eu chamei-a e disse-lhe que era ela quem iria rematar esse lance decisivo quase no final. E fez golo.
Quanto aos projetos para o futuro, queremos participar numa fase de subida à II divisão onde possamos demonstrar a nossa qualidade, temos uma Supertaça que queremos disputar e ganhar. Quanto à próxima época, independentemente de ficar ou não no GD Tabuense, espero que não deixem acabar aquilo que demorou algum tempo a ser feito. Sobretudo, há que ter em conta que não é só nas vitórias que os responsáveis devem aparecer.
No jogo decisivo, esteve até o presidente da Câmara Municipal a felicitar a equipa…
Tem aparecido. Mas quero focalizar mais a direção do GD Tabuense. Tem que ser mais viva. Se não fosse por minha iniciativa, elas não tinham nada. O clube não lhes tem dado praticamente nada.
Houve aquela mudança para a União Desportiva de Tábua….
Costumo dizer que mais vale ter um clube só e ser forte do que ter vários e não haver resultados. A equipa de futsal do GD Tabuense só teve uma equipa de futsal e ganhámos a distrital. A UD Tábua tem equipas distribuídas por diversos escalões e não ganhou nada, apenas uma delas vai disputar a fase de subida. Na minha opinião, a separação não se traduziu numa melhoria, fragilizou. Até porque as pessoas do concelho só falam no Tabuense, esse clube é que existe. Se apenas houvesse um clube, teríamos mais peso na AF de Coimbra.
Há possibilidades do G.D. Tabuense ter uma equipa masculina de futsal?
Não digo que não haja essa possibilidade. Mas se ainda não conseguimos ter uma fornada de juniores, quanto mas pensarmos em ter uma equipa sénior. Mas, sem dúvida, que a base de recrutamento é muito maior.
Entrevista e fotos: José Leite
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