“AGORA A PALAVRA DOS POLÍTICOS NÃO VALE NADA.NO MEU TEMPO, NÃO FAZIAM FARINHA”

MARIA ODETE SIMÕES, A MULHER DE PINHEIRO DE COJA QUE FOI A MAIS ANTIGA AUTARCA EM TÁBUA, 85 ANOS DE VIDA

É o que se chama uma vida…muito vivida, cujos retalhos mais importantes conta agora ao nosso jornal, demonstrando uma grande lucidez e boa disposição. Andou pela África profunda, regressou à sua terra natal em Pinheiro de Coja, onde tem a sua residência habitual, embora, de vez em quando, dê uma saltada a Lisboa a casa dos filhos. Mas é esta terra que tem no coração desde sempre, é aqui que, no silêncio da aldeia, encontra a sua tranquilidade, escrevendo as memórias num caderno. Maria Odete Simões Patrício, 85 anos, é considerada a autarca mais antiga do concelho de Tábua. Chegou a desempenhar os serviços de Regedora da freguesia de Pinheiro de Coja. ”Tinha 14 anos quendo o meu pai foi Regedor. Era um serviço cívico e começou a chatear-se. Era uma terra muito difícil, de gente quezilenta, envolvendo-se em constantes zaragatas. O presidente da Câmara, Corte Real, insistiu para que o meu pai não deixasse o cargo. Deixou-se ficar, mas quando eu atingi os 14 anos, disse-me que o serviço de regedoria ficava comigo. Passei a fazer toda a parte da secretaria, no tempo em que as cartas eram assinadas a Bem da Nação. Um dia, o meu pai foi para a apanha da azeitona numa propriedade que ficava ali para os lados do Barril do Alva. Era já noite, quando a população em peso surgiu à porta da minha casa trazendo um rapaz que tinha batido na mulher. Era um hábito, por causa do vinho. Tinha posto em alvoroço toda aquela zona. Nessa altura, não havia GNR, era o Regedor, com um cabo de ordens, que mantinham a segurança na aldeia. ´Daqui não saímos`, gritava a turba. Estavam mesmo com vontade de o matar. Resolvi dar-lhe abrigo em minha casa, num anexo junto ao pátio. Nessa altura, não se podia prender ninguém depois do sol-posto. E lá ficou à minha ordem e o povo aceitou. E, no dia seguinte, dei-lhe o pequeno-almoço. O meu pai, entretanto, chegou a cavalo e depois de lhe ter dado um raspanete, soltou-o. Nunca mais bateu na mulher, foi remédio santo. Nesse tempo havia respeito, ordem, palavra, esta hoje não vale nada”.

  Lembra que em Moçambique chegou a recorrer aos serviços de Almeida Santos, então um distinto advogado. Foi por causa do marido, Arnaldo Almeida Dias, um comerciante e criador de gado, ter abatido um elefante e ter sido multado em duzentos contos. “Uma fortuna para aquele tempo, a maior aplicada naquele território. Eu disse-lhe que se ele fosse obrigado a pagar essa multa todo o distrito do Alto Limpopo iria tremer. O meu marido estava dentro das leis, conhecia os podres daquela gente. E o Almeida Santos livrou-o. Mais tarde, o meu marido caiu de novo na asneira de matar um outro elefante e apanhou nova multa, esta de 30 contos. Mas, essa, pagou-a”.

   Viveu vários anos em Moçambique, na zona compreendida entre a Rodésia e o Guija, no Sertão profundo, convivendo com as tribos indígenas, tendo chegado a gerir uma cantina no final dos anos cinquenta, onde vendiam desde produtos alimentares a tecidos. Conta como os subornos eram já uma prática corrente e faziam com que as autoridades fechassem os olhos a certos “truques”, principalmente, nas questões de pesagem dos produtos na balança. Mas ela e o marido granjearam o respeito de toda a gente. “Cheguei a pôr de lá para fora um Governador-geral”, conta.

   Talvez tenha sido por causa dessa experiência da juventude em que chegou a ser Regedora, que Maria Odete tenha tomado o gosto pelo serviço público em prol dos cidadãos. Foi Presidente da Junta de Pinheiro de Coja nos anos setenta e durante três mandatos ”Inicialmente o meu marido é que foi Presidente de Junta e eu era a secretária. Sempre pelo PSD…o Sr. Morais ainda me tentou aliciar para o PS, mas eu nunca abdiquei dos meus princípios social-democratas. Eu não queria nada com os socialistas por causa do Mário Soares e do Almeida Santos, que assinou os acordos de Lusaca, entregando as antigas colónias de mão beijada”.

 Mas não esquece que, ao ocupar o cargo de autarca, havia quem a olhasse de revês, desconfiado, por haver uma mulher a dirigir os destinos de uma Junta de Freguesia.

 Sublinha que após tomar posse “já estava o saneamento em Pinheiro de Coja organizado” e que, mais tarde, comprou os terrenos para o cemitério da aldeia. ”Estava tudo desorganizado nessa altura e eu tentei impor um pouco de disciplina, de boa gestão sempre em defesa dos interesses dos fregueses. Comigo não faziam farinha”, frisa D. Odete, lembrando um episódio em que foi ter a Tábua com o então presidente, Ivo Portela, para tratar de um assunto da freguesia. “Cheguei à Câmara e a secretaria disse-me que eu não podia entrar por que o Sr. Eng.º estava numa reunião. Eu abri a porta da sala onde eles estavam e gritei: os senhores estão aí sete, eu trago trezentos atrás de mim, que eram os habitantes de Pinheiro de Coja, que pretendiam que a água fosse ligada”.

 Mais tarde, relata, o ramal da água chegou, mas não cruzou a  Estrada da Beira. ”Não queriam que a estrada fosse cortada, porque não estava sob a jurisdição do município. O assunto foi debatido numa Assembleia Municipal e eu olhei-os de frente, dizendo: Os senhores são da Câmara eu sou uma simples Presidente da Junta. Façam o favor de cortar a estrada e levar a água para Pinheiro de Coja que eu responderei perante a Junta Autónoma das Estradas”. Dito e feito. Assim ganhou três eleições sucessivas, no tempo em que, reafirma, a palavra dada aos cidadãos era de oiro. ”Ai quem não cumprisse, caía na desonra”, diz.

   D.Odete testemunhou ainda aquilo que considerou ser o princípio do fim da hegemonia do PSD no concelho: “Foi quando o Eng.º Portela começou a inundar os serviços da Câmara com gente afeta ao PS. Eu estranhei isso, disse-lhe que ele estava a proceder mal, pois desprezava as pessoas do PSD. Ele respondeu-me : D. Odete, sabe, os nossos temo-los nós na mão. Os outros é que os temos de puxar para o nosso lado. Mais tarde, a câmara foi para o PS, o Eng.º Portela também foi lá parar e assim se vai mantendo este panorama político ao longo destes últimos anos”.

  Maria Odete olha agora para os tempos atuais com alguma apreensão: “As pessoas fogem, não há empregos, a Câmara abandona as populações – veja o estado em que se encontra a estrada de acesso aqui à aldeia, está cheia de buracos. O atual Presidente da Junta, o João Moura, é uma pessoa indicada para o lugar, mas sozinho não pode fazer nada. Vamos ver o que faz o novo Presidente  da Câmara, Ricardo Cruz. Eu não sou do PS, já o disse aqui, mas quero aproveitar a ocasião para lhe enviar os meus parabéns por ter ganho. A democracia é assim mesmo, perde-se ou ganha-se. Só não concordei terem dado a Medalha do Município ao seu antecessor, Mário Loureiro. Era muito simpático comigo, mas não tinha palavra. Pedi-lhe para a Câmara arranjar o caminho para uma propriedade do meu filho na Rua da Fonte, um alargamento de acesso a uma garagem e ele foi sempre protelando uma decisão, alegando os mais diversos motivos. Ninguém obriga ninguém a fazer determinadas coisas. Mas quando se dá uma palavra é para cumprir. Os eleitoralismos para mim não valem nada”.

ENTREVISTA E FOTOS: JOSÉ LEITE

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