
Em Tábua, na minha meninice e adolescência, uma coisa que sempre mexeu comigo de uma forma muito desagradável foi o barulho estridente da sirene dos Bombeiros. Ouvi-lo era sempre sinónimo de perigo, de constrangimento, de uma preocupação intensa! O que teria acontecido? Desastre? Incêndio? E onde? As pessoas já habituadas a tamanho ruído, contavam as vezes que se elevava nos ares o seu troar assustador.
Consoante esse número, ficava-se a saber se era perto ou distante, se os bombeiros chegados ao Quartel eram já em número suficiente para, de imediato, seguirem ao encontro do sinistro ou para a zona onde o fogo acontecia. Em cada minuto passado, tinha-se a noção plena que vidas estavam em jogo e a urgência de uma resposta rápida na chegada ao local do agora denominado “teatro de operações” atingia por vezes uma dimensão especulativa e, por isso, havia sempre alguém que subia até à Capela de S, Brás, o ponto mais alto da Barrosa, para vislumbrar no horizonte algo denunciador do lugar onde o incêndio, pelo menos esse, ocorria.
Quem trabalhava nas quintas, pousava a enxada, quem trabalhava na fábricas, nas empresas, parava o serviço. Se bombeiro fosse, corria pelos caminhos sinuosos dos campos para o Quartel ou pegava na bicicleta, na mota, no carro e voava para o mesmo fim. Que o tempo urgia. E, quando ali chegados, vestiam uma espécie de fato-macaco mais maleável e capaz de enfrentar o fogo. De seguida, muniam-se dos instrumentos necessários para o combater com eficácia. O carro dos bombeiros desse tempo nada tinha a ver com as sofisticadas viaturas que nos dias de hoje vimos em acção. Nem para enfrentarem os terrenos adversos de sobe e desce nas ravinas. Nem para transportar os homens e material em número suficiente (quantas vezes…) para responder com firmeza ao alastramento das chamas. A rapidez na chegada ao incêndio podia fazer toda a diferença na sua maior ou menor durabilidade no tempo e na distância. A sua neutralidade ou continuidade jogava-se nos primeiros minutos após a chegada. O calor excessivo, a densidade das matas e a maior ou menor dificuldade em avançar no terreno com os veículos, determinavam o sucesso ou insucesso da operação levada a cabo nesses minutos iniciais. Tudo se complicava num leve atraso, resultando em horas de esforço colossal, se a força do vento fosse mais forte do que a condição humana.
Tive a sorte, nessa época, de conviver por razões familiares com essa grande figura tabuense que se chamou Cândido Serra, Comandante do Corpo de Bombeiros locais. Quantas vezes o vi à frente dos seus homens, avaliando, analisando, dirigindo com uma serenidade muito peculiar, antes da partida e nos locais onde as chamas alastravam.
O seu filho mais novo, o Victor Serra, meu amigo e companheiro de todas as horas no tempo das auto proclamadas férias grandes, mal a sirene tocava, corria e levava-me atrás de si para o quartel para assistir a cada um desses momentos que relatei anteriormente. Para nós, a saída dos homens e viaturas do Quartel era um momento único, vivido intensamente. E eu, menos rotinado na sua circunstância e tensão, vivia-o com uma super preocupação e temor, vendo em cada um deles, no ar determinada das suas faces, um herói capaz de enfrentar todas as dificuldades do mundo.
Sim. Para mim eram todos autênticos heróis esses bombeiros destemidos, cheios de valentia e abnegação. Olhava para cada um deles com um misto de admiração, respeito e deslumbramento. Pessoas dedicadas, corajosas, admiravelmente voluntárias, defensoras da comunidade e dos seus bens, com um lema inquestionável e glorioso: fazer bem sem olhar a quem. Homens simples, uns jovens, outros mais velhos. Mas todos com um traço comum: valorosos, objetivos, firmes no cumprimento da missão, indomáveis na sua vontade de servir e proteger. Um por todos e todos por um! Sem olhar a quem!
Da minha Barrosa tenho presentes na memória três personalidades desse tempo; o José Gomes ( o Zé Melro como era por toda a Tábua conhecido),o António Nunes ( o Barrosa como era também em toda a parte da nossa terra tratado) ambos já falecidos e o José Abreu, ainda no nosso convívio nos dias de hoje, graças a Deus. Três personalidades distintas com quem convivi e convivo com amizade e estima, Os dois primeiros, afilhados da senhora minha Mãe, estiveram sempre ligados à minha família. O José Abreu rumou durante anos por outras paragens na sua vida mas regressou e, obviamente, aqui continuamos, na nossa tão agradável e sã convivência.
De todos eles tenho guardado momentos, factos com interesse que merecem ser contados. Talvez num número próximo traga à baila, dos dois primeiros, o relato de histórias curiosas de um tempo já longínquo como foi o do início do futebol ante e pós federado na nossa terra. Nos anos 60/70 do século passado.
Porém, antes de acabar este artigo, gostaria de trazer à tona de água uma observação que entendo pertinente. Já lá vão uns anitos que se entendeu (e muito bem) dar nomes às ruas das povoações. A competência da toponímia de qualquer concelho pertence às Câmaras Municipais que, deste modo, tratam do cumprimento da Lei, assumindo os nomes às ruas, praças, avenidas, etc etc, após, creio eu, parecer da respetiva junta de freguesia.
A Barrosa não fugiu naturalmente à questão e num exemplo concreto, a rua onde moro, passou a chamar- se Rua do Carvalhal. E porquê? Como não tenho uma certeza absoluta do que levou a chamar-se assim, arrisco duas hipóteses para tal ter acontecido: a primeira poderá ter sido devido à quantidade de árvores designadas por carvalhos que existiam no local. A segunda hipótese (e aquela que eu mais gostaria que fosse) levou em linha de conta a pessoa do Sr. Carvalhal, um barrosense que morou algures naquele espaço, figura de quem tenho ainda uma leve lembrança de criança.
E se o foi, foi muito bem decidido!
Passados uns tempos, para não dizer anos, por mero acaso, andando a pé pela designada Estrada da Barrosa, a via que a liga a Tábua, deparei com uma placa que dava nome à pequena rua onde morou o bombeiro António Nunes (o chefe Barrosa), E o que estava lá escrito? Beco do…Carvalhal. Procurei saber o que levou a que aparecesse o nome de Carvalhal em ambos os lados. Ninguém me soube dar uma explicação que justificasse tal procedimento. Todavia, o que pareceu mais provável a quem interroguei sobre o assunto, é que as ditas árvores chamadas carvalhos eram tantas por ali desde os primeiros anos do século XX (passado de boca em boca por gerações) que o nome Carvalhal, na falta de melhor inspiração, foi naturalmente escolhido para justificar o nome do Beco. Naquela parte da Barrosa os carvalhos também seriam em número considerável…
Em muitos dos concelhos de Portugal, nomeadamente no seu centro/norte, raro é aquele que não tenha este nome de Carvalhal associado a um local, uma povoação, um pedaço de terra específico. Os carvalhos eram árvores importantes para as populações de então…
Mas, se tal não acontecer neste caso e o Beco com o nome de Carvalhal ter sido atribuído unicamente pelo nome da mesma pessoa, penso que se devia equacionar uma questão que me parece plausível, compreensível e plena de…justiça: atribuir o nome de António Nunes (Chefe Barrosa) ao Beco do Carvalhal. Ficava bem e dignificava uma vida com mais de sessenta anos entregue à causa dos Bombeiros. Não desrespeita o nome e a pessoa que dá nome ao Beco na atualidade porque ele está gravado para sempre na Rua do… Carvalhal no mesmo lugar. E respeita um outro tabuense que também o merece por inteiro. Não só por ter oferecido à comunidade, décadas da sua vida à nobre causa dos bombeiros voluntários, mas também pelo insuspeito reconhecimento da própria Liga dos Bombeiros de Portugal que o homenageou com a entrega da sua maior e louvável condecoração: a Medalha de Ouro da Instituição.
Ainda mais um outro argumento de peso a favor desta intenção: o Chefe Barrosa morou décadas da sua vida precisamente no local de que falamos…e esta hem?… a vida tem destas coisas…
Deixo aqui para quem de direito, a base de uma ponderação/decisão que, penso eu, bem se justifica!
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Uma das primeiras músicas que compus nos anos setenta do século passado dedicadas ao nosso concelho foi precisamente a marcha de ´ O Bombeiro ´ que dediquei a esses homens que conheci e com quem convivi anos a fio. Poucos serão os ainda vivos mas, que eu saiba, o José Abreu da minha Barrosa e o Henrique do Coro Polifónico ainda por cá andam a fazer-me companhia. Com um abraço para eles aqui fica a letra da dita marcha,
O BOMBEIRO
SOU O BOMBEIRO QUE NÃO SE CANSA DE ACORDAR
TOCA A SIRENE E LÁ VOU EU A CORRER TOCA A ANDAR
QUE O FOGO ALASTRA DE MEDONHA MANEIRA
PEGO O MACHADO O CAPACETE E A MANGUEIRA
QUANTAS VEZES SEM COMER E SEM DORMIR
OU DEPOIS DE MIL CANSEIRAS
LÁ VOU EU A CORRER PARA CONSEGUIR
SALVAR O MILHO DAS EIRAS
LUTAR VENCER O FOGO QUE AVANÇA
NO MEIO DE MIL PINHEIROS
EXPONHO O CORPO A MINHA VIDA
QUE A CHAMA ALASTRA DECIDIDA
JOGA-SE A SORTE É VIDA OU MORTE
ÁRVORE PERDIDA
SOU O BOMBEIRO VIDA DE RISCO CONSTANTE
EM QUALQUER HORA EM QUALQUER PARTE
SIRVO O MEU SEMELHANTE
TUDO O QUE PEÇO O QUE A GENTE PRECISA
É DE RESPEITO DE AMIZADE E DE JUSTIÇA

pelo menos esse, ocorria
Texto: Amadeu Diniz da Fonseca
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