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OS DOIS DIAS QUE ENLUTARAM TÁBUA

  Foram dois dias de muita aflição que se viveram na zona de Póvoa de Midões e Vila do Mato, que culminaram numa tragédia difícil de imaginar que voltaria a acontecer no concelho, sete anos depois dos grandes incêndios de outubro de 2017, sinal que a lição não foi aprendida, muito menos corrigida: três elementos da corporação de Vila Nova de Oliveirinha. Sónia Melo,36 anos, Paulo Santos, 38, e Susana Carvalho,44, levaram ao máximo o lema dos Bombeiros, “Vida por Vida”, como referiu Vítor Melo, o Presidente desta Associação, numa primeira declaração aos jornalistas, em tom muito emocionado.

  Naquela encosta em Vila do Mato, o fogo traiçoeiro ceifou estas três vidas. Houve quem dissesse, como foi o caso de uma alta entidade ligada à Proteção Civil, pouco depois de ser conhecida a tragédia, que uma avaria na viatura VECI – 0613,que transportou os jovens para este local fatídico, teria precipitado os acontecimentos naquela encosta, muito próxima do alojamento local da Quinta do Rabaçal. Puro engano. Como nós próprios pudemos testemunhar, a viatura não sofreu qualquer avaria e foi conduzida, sem necessidade de reboque, para um parque privado em Midões. Encontrava-se praticamente incólume, embora enegrecida pela poeira e labaredas que a  envolveram naquela manhã de triste memória. Dois elementos da equipa dos bombeiros, entre eles, o namorado de Sónia, Francisco Cunha, com casamento marcado para o próximo ano, conseguiram refugiar-se nas traseiras e assim escaparam ilesos. Outro destino tiveram os seus três companheiros que se viram rodeados de uma turbilhão de vento e chamas, acabando por sucumbir. No local da tragédia, ainda se veem no chão restos das mangueiras calcinadas e uma espécie de memorial foi erguido em sua memória.

  Vindas de Carregal do Sal, as chamas aproximaram-se, velozes e traiçoeiras, da Vila do Mato. Incrédula, a população olhava para os céus na procura dos tais meios aéreos que pudessem prestar apoio aos bombeiros. Mas apenas se via um helicóptero no ar, no meio do fumo. A passagem de várias viaturas do INEM, o olhar nervoso de alguns bombeiros, fazia antever que algo de grave teria ocorrido. Passavam poucos minutos do meio-dia…  

  Minutos antes, junto ao marco geodésico na Póvoa de Midões era possível vislumbrar vários focos junto à ponte do Enguiço, alguns deles mesmo na encosta fronteira ao Encontro no Rio, um alojamento local de um alemão, cujo filho, Hans Hesshaimer , em declarações que mais tarde prestou “O Tabuense”, garantiu ter sido fogo posto, isto depois de ter visto durante a madrugada três focos deflagrarem quase em simultâneo no outro lado do rio, cerca das quatro da madrugada: “O vento era contrário ao grande clarão das labaredas que víamos à nossa direita, não soprava em direção a esses focos”, dir-nos-ia.

 Hans mostrou-se grato pela atenção que os bombeiros e a presidente da JF da Póvoa de Midões demostraram com a segurança desta unidade. “Tivemos de colocar os cavalos junto à casa e até lhes pusemos uma máscara por causa do fumo”, refere Lisa, a irmã, sublinhando que nunca foi intenção desta família alemã abandonar a casa, por causa dos animais.

 Foi mais ou menos por esta altura, quatro da madrugada do dia 17 de setembro, que o Município, pela voz de Ricardo Cruz, comunicava à população que o fogo ativo vindo do Carregal do Sal poderia vir a atingir Póvoa de Midões e Vila do Mato, lançando o alerta e disponibilizando o Pavilhão Multiusos caso fosse necessário acolher pessoas numa eventual evacuação.

   Em Sevilha, a situação também se ia agravando e houve quem falasse à nossa reportagem, um dia depois dos acontecimentos, ter existido alguma inércia da parte dos bombeiros (ou da sua voz de comando) que permitiu que as chamas rodeassem perigosamente a aldeia pela encosta. Pedro diz mesmo ter ficado nervoso e interpelado um grupo de operacionais que se encontravam estáticos nas proximidades da ponte de Sevilha, à entrada do estradão que conduz a várias casas, uma delas, do conhecido empresário do Grupo 8, para intervirem o mais rapidamente possível, pois uma tragédia poderia estar para acontecer. “Disseram- me que as ordens que tinham recebido era para estarem perto das casas, não irem para o pinhal. Achei isso incompreensível. Resolvi  com outros moradores fazer frente às chamas com os Tomix e bombas de água e zarparmos por esses caminhos, no meio da vegetação a arder”.

 Manuel Silva Dias, mais conhecido por Manuel de Sevilha, atualmente a viver em Vale de Taipa, corrobora essas declarações: “Andei com este trator a apagar o fogo, focando a minha atenção nos reacendimentos. E vi também os bombeiros parados, mas a culpa não era deles, mas dos comandantes. Graças a Deus, o fogo não passou para a estrada que vai para Tábua, junto a Babau. Poderia ser uma tragédia. Ataquei as chamas com a minha cisterna, que, cheia, leva quatro mil litros de água e com 120 metros de mangueira de engate rápido como as dos bombeiros”. O empregado de uma empresa de madeiras situada nas proximidades, também estranhou não ver na noite do incêndio bombeiros por perto, a defender a empresa que continha no interior material altamente inflamável, ele, como nos diz, que recorre às suas vacas para dizimar o matagal em redor. “Era bom que as pessoas e as entidades fizessem o mesmo, mas não é isso que vemos”, frisa.

  E é verdade. É certo que se abriram estradas pelo meio da floresta, mas o acesso ao Mondego, que corre no fundo do vale em Sevilha, não é fácil, predominando caminhos completamente esburacados, onde até um carro de bombeiro dificilmente ali passa. “Eu até me prontifiquei a que sinalizassem e recorressem os vários pontos de água que tenho na minha quinta junto ao rio para poderem abastecer, mas ninguém ligou”, sublinha Pedro. E enfatiza: “Nem os próprios bombeiros conhecem estes caminhos e assim surgem estas tragédias”.

  Agora, passado o drama, fala-se na falta de apoio do estado às corporações de bombeiros, depois de serem obrigadas em cada ano a assinarem um conjunto de responsabilidades. Fala-se nos magros pecúlios que estes milhares de operacionais voluntários recebem, apesar de arriscarem a vida, 67,30 euros/ dia, ou seja, se fizerem 24 horas consecutivas recebem 2,80 euros por hora, valor definido pelo anterior governo de António Costa.

 “Homenageá-los nunca o vamos conseguir na plenitude, mas esquecidos também não o vão ser e a melhor homenagem que lhes podemos fazer, é lembrar o seu legado, aquilo que eles foram enquanto pessoas e como bombeiros que deram a sua vida, deixando o conforto dos seus lares para salvaguardar pessoas”, palavras sentidas de Vítor Melo, o Presidente da corporação, lembrando os homens e mulheres que tombaram no teatro de operações. Paz às suas almas!

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